Introdução

Na primeira parte do texto, apresentada com o titulo : ” Ferramentas da Qualidade – Parte 1″ foi falado sobre a relação e a busca constante pela satisfação dos pacientes, através da cura sem danos e da utilização das ferramentas e metodologias para melhorar a saúde em geral.

Hospitais públicos ou privados devem otimizar custos, motivar a melhora geral da saúde através da prevenção de doenças além de assegurar a qualidade.

 

A importância da história na melhoria contínua

Em 1930, Shewhart, um físico, engenheiro e estatístico, o “pai do controle estatístico de qualidade” iniciou o uso de ferramentas estatísticas em melhorias de processos. Foi ele que encontrou os processos previsíveis, que através de gráficos de controle (figura 2.1)  se tornaram a base de controle estatístico de processos.

Isso possibilitou agir sobre os processos através dos ciclos de PDCA e PSDA além da busca por previsibilidade das respostas dos processos. Porém, apenas em 1980 após a reconstrução do Japão que Edwards Deming, também estatístico, reconhecido pelas melhorias de processos produtivos nos Estados Unidos, levou essas técnicas para reerguer o país, e através do Sistema Toyota aplicaram a cultura de qualidade e melhoria de processos e emergiram como uma grande potência econômica.

Após o desenvolvimento do Sistema Toyota de Produção a melhoria de processos se popularizou como uma vantagem estratégica, de produção enxuta que envolve os funcionários, padronizada e Just in time. Na figura 2.2 mais características dos processos.

Nesse mesmo período surgiu o Lean Six Sigma também na busca da melhoria de processos nas rotinas de trabalho. A fim de identificar e eliminar os desperdícios reduzindo os custos e aumentando a qualidade baseada em informações estruturadas.

Os Sistemas Toyota e o Lean colocam que os funcionários da linha de frente devem estar encarregados para melhorar processos e por isso são parceiros nas melhorias.

Ainda falando sobre a importância da melhoria na história da saúde é preciso entender os quatro pilares do saber profundo, demonstrados na figura 2.3 Esses quatro pilares possibilitam que mudanças gerem melhorias.

2.1     Visão sistêmica

A organização é um conjunto de processos que tem a finalidade de satisfazer uma necessidade do cliente, que na saúde é o tratamento de alguma patologia, ou uma consulta, ou um atendimento de urgência entre outras. E muitas vezes a falta de alinhamento dos processos é responsável por perdas, como Eventos adversos, custos desnecessários, retrabalhos, muito tempo de espera e por isso é importantíssimo enxergar a correlação entre todos os processos com um propósito único.

2.2     Conhecimento da Qualidade de Processos

É necessário saber como gerar conhecimento específico dentro da organização, por exemplo, no caso das farmácias hospitalares, os processos da farmácia influenciam diretamente na administração dos medicamentos para os pacientes, e por isso toda equipe da farmácia deverá estar ciente e muito bem treinada sobre a importância da unitarização de medicamentos, pois um erro poderá ser responsável por Eventos Adversos, até mesmo com a morte de pacientes. Diante disso a educação permanente do setor da farmácia e de todo hospital relacionado a unitarização é fundamental.

  • Estudo da variação

A variação é inerente e natural dos processos, diversos fatores levam as alterações nos resultados. Assim é necessário estudar e aprender com essas variações.

2.4     Cultura

Todas as organizações são feitas de pessoas e é preciso entender as características e distinções para que seja possível um trabalho em equipe atingir o propósito da organização. Por isso é fundamental funcionários felizes, satisfeitos e engajados ao propósito da empresa.

A cultura são valores, atitudes, hábitos, comportamentos típicos, crenças compartilhadas. A cultura determina como funciona uma organização.

As metodologias e ferramentas da qualidade ensinam a entender e aplicar os conceitos dos pilares do saber profundo a fim de gerar melhorias que irão promover mudanças e vantagens estratégicas.

Nesse momento três questões, apresentadas na figura 2.3 são capazes de direcionar quais melhorias devem ser importantes:

FIGURA 2.3

Para isso é necessário definir um foco para melhoria, um feedback, uma medição, um indicador para mostrar as mudanças e quais ações serão tomadas.

Um exemplo de uma melhoria em processos pode ser, no processo de compras. Na busca por diminuir os custos, o tempo para realizar as compras e a falta de produtos é possível definir padrões específicos para os fornecedores ideais.

Eles devem atender requisitos particulares de qualidade para todos os produtos necessários, além de média de valores aceitáveis e o tempo ideal de entrega dos produtos.

Para isso um processo bem estruturado de qualificação de fornecedores facilitará na definição das empresas onde serão realizadas as compras.

 

3   Metodologias e ferramentas da qualidade

Na saúde, a busca pelo cuidado baseado em valor possibilita utilizar diversas metodologias, para aumentar a qualidade do atendimento, para promover análises dos problemas e de melhorias nos serviços, a fim de diminuir o erro.

A figura 2.4 cita as principais metodologias de ferramentas da qualidade e segurança utilizadas na saúde.

Já foram abordadas as metodologias: PDCA, PSDA, Ferramentas Básicas de Controle de Qualidade e Lean Six Sigma na parte 1 do texto e agora na parte 2 do texto sobre ferramentas da qualidade e segurança falaremos das metodologias DMAIC, Lean Health e Ferramentas Gerenciais do Controle de Qualidade.

3.1 DMAIC

É uma forma estruturada de melhorar processos e atacar problemas de maior complexidade através de melhoria contínua.

É possível, com inovações, executar projetos de novos processos ou serviços, e projetos de melhorias de processos existentes a fim de melhorá-los.

Para isso é preciso:

  • Conhecer os processos (O que eles produzem? Quais recursos utiliza? Como eles produzem?)
  • Saber medir os processos (Quais dados temos do processo? O que é problema ou defeito?)
  • Saber como melhorar os processos (Como atacar o problema ou defeito? O que atacar primeiro? Em que focar?)
  • Como padronizar o processo para que o problema não retorne?

Com as respostas a essas perguntas será possível definir quais projetos de melhoria devem ser realizados. A figura 3.1 ajuda enxergar quais problemas ou defeitos devem ser atacados primeiro.

Na figura 3.2 estão apresentados de maneira simples as fases do DMAIC.

Em cada fase do DMAIC serão utilizadas diversas ferramentas da qualidade que auxiliaram nas resoluções dos problemas.

3.2 Lean Health

Ele veio do Lean das indústrias, mas com a visão para os cuidados de saúde e melhoria de processos hospitalares.

Tem o objetivo de facilitar, melhorar, agilizar e baratear os processos.

De acordo com a Vital Directions for Health & Health Care: Na initiative of the National Academy of Medicine (2017), nos EUA os custos com cuidados médicos são de aproximadamente US $ 3 trilhões por ano sendo que 30% desse valor é de desperdícios.

A pergunta clássica sobre esse assunto relacionado aos gastos com saúde é:

O que fazer para diminuir os gastos na saúde?

Diante desses números tão altos o Lean Health busca por oportunidades de melhorias nos processos hospitalares, capazes de diminuir os desperdícios com erros, retrabalhos, falhas, burocracias, etapas desnecessárias e gastos excessivos além de aumentar o valor em suas ações, como mais tempo com os pacientes, controle de risco e de segurança, a satisfação dos pacientes e dos funcionários, a agilidade e a eficiência das organizações.

Desperdícios são considerados ações que consomem energia e recursos sem agregar valor para o cliente. Assim, todo o hospital deve pensar em agregar valor em suas ações para que o paciente, que é o usuário final, receba ações com segurança, qualidade e satisfação.

Com isso a prática do Lean consegue identificar e quantificar desperdícios onde a assistência acontece, na indústria chamado de chão de fábrica.

Abaixo, na tabela 3.1, alguns exemplos que causam desperdícios:

Tabela 3.1

  EXEMPLOS CAUSAS MUDANÇAS
SUPER PRODUÇÃO Repetir e realizar exames desnecessários. Previsões incorretas, erros nos processos, cultura de excessos. Ações como redução de estoque, produzir o necessário, revisão de processos e mudanças na cultura são necessárias.
ESPERA Esperar por cirurgias, consultas ou por algum material. Devido falta de comunicação, padronização, prioridade, sistema empurrado, trabalho desbalanceado. Sincronização do fluxo de trabalho, Implantação de células, balanceamento nas etapas.
TRANSPORTE DE MATERIAL Transporte de kits para sala operatória faltando material. Falta de padronização, processos empurrados. Kanban, controle de estoque.
MOVIMENTAÇÃO DE PESSOAL Falta de materiais para fazer curativo. Falta de padronização, de organização, de segurança, estoque inadequado. 5S, fluxo de trabalho.
INVENTÁRIO – ESTOQUE Medicamentos vencidos. Ordem de processamento, Lead-times dos fornecedores, setups longos. KANBAN, desenvolvimento de fornecedor, fluxo contínuo.
DEFEITOS Máquinas paradas, erros de medicamentos, retrabalhos. Falha do processo, falta de barreiras, falta de instruções de trabalho, falta de padronização. Melhorias dos procedimentos, Melhoria de projeto, criação de Poka-Yoke.
SUPER PROCESSAMENTOS Repetição de atividades devido processos mal desenhados. Atrasos entre processos, sistema empurrado, layout ruim. Fluxo contínuo e Design enxuto.
DESPERDÍCIO DO TALENTO HUMANO Desconsiderar opiniões de funcionários que fazem parte diretamente de processos que precisam de mudanças. Falta de cultura, superioridade, alta hierarquização. Cultura da Organização.

Para cada desperdício, ações são realizadas utilizando ferramentas da qualidade para diminuir ou acabar com eles.

Na saúde o Lean possui 6 princípios, são eles:

  • Atitude de melhoria contínua, necessidade do sistema em melhorar, toda a instituição está envolvida com as melhorias e o ciclo de PDSA está totalmente vinculado nos processos;
  • Criar valor sempre para os pacientes, diminuir o tempo de espera, criar ambientes mais seguros, ser mais eficiente, ouvir os pacientes, oferecer um cuidado mais justo para os pacientes;
  • Unidade de propósito da empresa. O norte verdadeiro aonde ela que chegar e os funcionários na mesma direção;
  • Respeito pelas pessoas, acreditar nos colaboradores, comunicação aberta e socializada, criar ambiente seguro, direcionar os funcionários do que fazer;
  • Visual, cultura de transparência, processos claros, metas, níveis de satisfação e custos expostos;
  • Padronização com flexibilidade, facilitar processos, evitar e eliminar erros. Estabelecer padrões para estabilizar processos.

Muitas ferramentas são utilizadas para aplicar o sistema Lean na melhoria contínua. Alguns exemplos estão apresentados na tabela 3.2:

De acordo com os objetivos são definidas quais metodologias devem ser usadas para cada problema.

Mais um exemplo bastante usado na saúde é a A3, que fica responsável pela identificação do problema. É uma ferramenta de comunicação e pode ser usada em qualquer processo da instituição. Esse modelo de melhoria é indicado pelo IHI. Ele é baseado no PDSA, faz um resumo do problema e da solução em uma folha A3 como na figura 3.3:

3.3   Ferramentas Gerenciais Do Controle De Qualidade

As 7 ferramentas estão voltadas pela busca e identificação dos problemas (“Problem Finding”) e situações não contempladas pelas Ferramentas básicas de Qualidade.

Através delas os gerentes conseguem visualizar e viabilizar o mapeamento dos problemas da qualidade e o planejamento dos esforços, e assim será melhor para traçar planos de ação para melhorias da qualidade dos projetos, das conformidades e dos desempenhos.

Auxiliam em fatores qualitativos. Por exemplo: classificação de um atendimento (bom/ruim), resultado de uma inspeção (conforme/não conforme).

Para isso, as ferramentas gerenciais, constituem um processo de três fases. De acordo com a figura 3.4 apresentada abaixo:

3.3.1 FASE 1 – Identificar Problemas

  • DIAGRAMA DE AFINIDADES:

Agrupa ideias semelhantes relacionadas ao tema, pode contemplar o Brainstorming (chuva de ideias), pois busca sintetizar, classificar e estruturar ideias pouco definidas. Exemplo na figura 3.1.1

  • DIAGRAMA DE RELAÇÃO:

Permite descobrir e analisar inter-relação de causa e efeito. Ajuda identificar a causa raiz de um problema. Também deverá ser feito um Brainstorming. Ele serve como complemento ou como alternativa ao diagrama de espinha de peixe. Possibilita identificar a principal área de melhoria.

Exemplo na figura 3.1.2

Com o diagrama de relação é possível definir medidas para diminuição de queixas dos pacientes, melhorar e eliminar defeitos nos processos e simplificar a solução de problemas.

3.3.2 FASE 2 – Determina Ações e Recursos

  • DIAGRAMA DE ÁRVORE:

Abre em detalhes os motivos do problema. Na saúde se deriva como Diagrama Direcionador (DD): Ferramenta criada pelo IHI que ajuda na definição da meta de melhoria, direciona ações primárias e secundárias além dos conceitos de mudança necessários para melhoria ser atingida. Sempre com um conjunto lógico de objetivos relacionados que podem ser transformados em subprojetos ou iniciativas executáveis. Identifica características que podem ser controladas de imediato.

Ele pode ser usado como apoio na fase D (Define) do Lean Six Sigma ou na fase P (Plan) no PDCA/PDSA.

Esse diagrama permite um programa de mudança completa, além de estruturar medição para monitorar o progresso das melhorias.

O diagrama de árvore ajuda a organizar o conceito de mudanças e ideias. Possibilita a visão de uma equipe sobre o local onde querem melhorar e o que realmente funcionará.

Para isso será preciso montar uma equipe com pessoas que possam acrescentar ao tema; objetivo deve ser claro e definido; Fazer Brainstorming; criar direcionadores; identificar as ligações entre os direcionadores e quais ações e intervenções realizar; definir qual direcionador e intervenção medir; validar o trabalho com a equipe.

O diagrama deverá ser atualizado e alterado durante o projeto, caso precise. Pois reflete a visão de uma equipe sobre o tema, é uma “hipótese” como na figura 3.1.3.

  • DIAGRAMA DE MATRIZ:

Utilizado para entender as interações e condutas entre diferentes mudanças em volta de um problema.

  • DIAGRAMA DE PRIORIZAÇÃO:

Para definir fatores mais relevantes e solucioná-lo. Matriz GUT (Gravidade, Urgência e Tendência), FEMEA (Análise do efeito e do tipo de falha) e QFD (Desdobramento da função de qualidade).

É importante para direcionar sobre a tomada de decisão no que priorizar, com o gráfico de Pareto, por exemplo.

3.3.3 FASE 3 Planos de Contingência e Cronograma

  • DIAGRAMA DE PROCESSO DECISÓRIO (Process Decision Program Chart – PDPC): Direciona o melhor desfecho de atividades, e as escolhas a serem adotadas na ocorrência de desvios, mapeia todos os caminhos possíveis para alcançar o objetivo.
  • DIAGRAMA DE SETAS OU DE ATIVIDADES:

Para programar e monitorar as etapas de um plano/trabalho, explicando os caminhos críticos. Preocupa-se em descrever os passos a serem percorridos para atingir a meta.

O diagrama possui o estado inicial, Estado final e Estado de ação e utiliza setas para mostrar o caminho da ação seguinte.

Todas as diferentes técnicas nas ferramentas gerenciais de qualidade ajudam analisar dados quantitativos e qualitativos e normalmente são utilizadas para tratar problemas mais complexos.

O conjunto de ferramentas gerenciais e básicas de qualidade permitem o planejamento, a organização, a implantação e a melhoria contínua na busca de qualidade e excelência.

 

CONCLUSÃO

Aplicando as metodologias e ferramentas da qualidade será possível entender as variações dos processos e saber onde elas estão, além de como reduzi-las.

Cada ferramenta específica é indicada para um tipo e etapa de melhoria.

Independente de qual projeto de Melhoria será utilizado três perguntas devem ser feitas:

  • A satisfação dos colaboradores e dos pacientes aumentará?
  • Eliminará desperdícios com o foco no valor para o paciente?
  • Simplificará e padronizará processos?
  • Incentivará a conscientização dos processos e estimulará melhoria contínua e inovação no cuidado?

Essas perguntas serão capazes de nortear a qualidade dos projetos de melhoria a serem implantados na organização, pois se não atender nenhuma dessas áreas deverão ser revisados.

Muito da dificuldade das organizações em realizar projetos está diretamente ligada a falta dos pilares básicos para a aplicação de melhorias. Isso é fundamental para realização das melhorias de maneira sólida e eficaz dentro das organizações.

Quanto maior o investimento da organização na capacitação e desenvolvimento dos colaboradores, melhores os desempenhos das pessoas e maior olhar clínico para prevenção de riscos e melhoria nos processos pois estarão conscientes na busca por atingir o objetivo da organização.

Daniela Faria – Farmacêutica CRF/SP 51.617


 

Veja também: